quarta-feira, 8 de novembro de 2017

Trabalho Diferenciado de Filosofia para o 2º Ano




Leia os textos abaixo com atenção, pois serão utilizados em breve!

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La Boétie, Etienne – Discurso da Servidão Voluntária
TEXTO 1
No momento, gostaria apenas que me fizessem compreender como é possível que tantos homens, tantas cidades, tantas nações às vezes suportem tudo de um Tirano só, que tem apenas o poderia que lhe dão, que não tem o poder de prejudicá-los senão enquanto aceitam suportá-lo, e que não poderia fazer-lhes mal algum se não preferissem, a contradize-lo, suportar tudo dele. Coisa realmente surpreendente (e no entanto tão comum que se deve mais gemer por ela do que surpreender-se) é ver milhões e milhões de homens miseravelmente subjugados e, de cabeça baixa, submissos a um jugo deplorável: não que a ele sejam obrigados por força maior, mas porque são fascinados e, por assim dizer, enfeitiçados apenas pelo nome de um que não deveriam temer, pois ele é só, nem amar, pois é desumano e cruel para com todos eles. Tal entretanto é a fraqueza dos homens! Forçados à obediência, forçados a contemporizar, divididos entre si, nem sempre podem ser os mais fortes. Portanto, se uma nação, escravizada pela força das armas, é submetida ao poder de um só (como foi a cidade de Atenas à dominação dos trinta tiranos), não é de se espantar que ela sirva, mas de se deplorar sua servidão, ou melhor, nem espantar-se nem lamentar-se: suportar o infortúnio com resignação e reservar-se para uma ocasião melhor no futuro.

TEXTO 2
Mas, ó Deus!, o que é isso? Como chamaremos esse vício, esse vício horrível? Não é vergonhoso ver um número infinito de homens não só obedecer mas rastejar, não serem governados mas tiranizados, não tendo nem bens, nem parentes, nem crianças, nem sua própria vida que lhes pertençam? Suportando as rapinas, as extorsões, as crueldades, não de um exército, não de uma horda de bárbaros, contra os quais cada um deveria defender sua vida a custo de todo o seu sangue, mas de um só: não de um Hércules ou de um Sansão, mas de um verdadeiro homenzinho, amiúde o mais covarde, o mais vil, e o mais efeminado da nação, que nunca cheirou a pólvora das batalhas, quando muito pisou na areia dos torneios; que é incapaz não só de comandas os homens mas também de satisfazer a menor mulherzinha! Nomearemos isso covardia? Chamaremos de vis e covardes os homens submetidos a tal jugo? Se dois, três, quatro cedem a um, é estranho, porém possível: talvez se pudesse dizer, com razão: é falta de fibra. Mas se cem, se mil deixam-se oprimir por um só dir-se-ia ainda  que é covardia, que não ousam atacá-lo, que por desprezo ou desdém não querem resistir a ele? Enfim, se não se vê que cem, mas cem países, mil cidades, um milhão de homens não atacarem, não esmagarem aquele que, sem prurido algum, trata-os todos como igual número de servos e de escravos – como qualificaríamos isso? Será covardia? Mas para todos os vícios há limites que não podem ser superados. Dois homens e até dez bem podem temer um, mas que mil, um milhão, mil cidades não se defendam contra um só homem! Oh! não é só covardia, ela não chega a isso – assim como a valentia não exige que um só homem escale uma fortaleza, ataque um exército, conquiste um reino! Que vício monstruoso então é esse que a palavra covardia não pode representar, para o qual toda expressão, que a natureza desaprova e a língua se recusa a nomear?…

TEXTO 3
Mas voltando ao meu assunto, que quase perdera de vista: a primeira razão pela qual os homens servem  voluntariamente é que nascem servos e são criados na servidão. Desta ocorre naturalmente esta outra: sob os tiranos, os homens nascem necessariamente covardes e efeminados, como, em meu entender, chamou a atenção bastante judiciosamente o grande Hipócrates, pai da medicina, num de seus livros intitulado Das Doenças. Esse homem, digno por certo, tinha bom coração e bem o mostrou quando o rei da Pérsia quis atrai-lo para junto de si, à força de ofertas e grandes presentes; pois respondeu-lhe francamente que teria problemas de consciência ao ocupar-se em curar os Bárbaros que queria destruir os Gregos e fazer algo que pudesse ser útil àquele que queria subjugar a Grécia, sua pátria. A carta que lhe escreveu a esse respeito encontra-se entre as outras obras, e testemunhará para sempre seu bom coração e seu belo caráter. Portanto, é certo que com a liberdade se perde imediatamente a valentia. Os escravos não tem ardor nem constância no combate. Só vão a ele como que obrigados, por assim dizer, embotados, livrando-se de um dever com dificuldade: não sente queimar em seu coração o fogo sagrado da liberdade, que faz enfrentar todos os perigos e desejar uma bela e gloriosa morte que nos honra para sempre junto aos nossos semelhantes. Entre os homens livres, ao contrário, é a porfia, cada qual melhor, todos por um e cada um por todos: sabem que colherão uma parte igual no infortúnio da derrota ou na felicidade da vitória; mas os escravos, inteiramente sem coragem e vivacidade, tem o coração baixo e mole, e são incapazes de qualquer grande ação. Disso bem sabem os tiranos; assim, fazem todo o possível para torná-los sempre mais fracos e covardes.

TEXTO 4
Assim o tirano subjuga os súditos uns através dos outros. É guardado por aqueles de quem deveria se guardar, se não estivessem aviltados; mas, como bem se disse, para rachar lenhas faz-se cunhas da própria lenha. Assim são seus arqueiros, seus guardas, seus alabardeiros. Não que eles mesmos freqüentemente não sofram com sua opressão, mas esses miseráveis, amaldiçoados por Deus e pelos homens, contentam-se em suportar o mal para fazê-lo, não àquele que lhe malfaz, mas aos que, como eles, o suportam e nada podem fazer. E. no entanto, quando penso nessa gente que adula o tirano com baixeza para explorar ao mesmo tempo sua tirania e a servidão do povo, surpreendo-me quase tanto com sua estupidez quanto com sua maldade. Pois, em verdade o que é aproximar-se do tirano senão distanciar-se da liberdade e, por assim dizer, abraçar a apertar com as duas mãos a servidão? Que por um momento ponham de lado sua ambição, que se livre um pouco de sua sórdida avareza,  e depois, que se olhem, que considerem-se a si mesmos: verão claramente que os aldeões, ou camponeses que espezinham e tratam como forçados ou escravos, verão, digo, que esses, assim maltratados, são mais felizes e de certo modo mais livres do que eles. O lavrador e o artesão, por mais subjugados que sejam, ficam quites ao obedecer; mas o tirano vê os que o cercam trapaceando e mendigando  seu favor. Não só é preciso que façam o que ordena mas também que pensem o que quer e, amiúde, para satisfazê-lo, que também antecipem seus próprios desejos. Não basta obedecê-lo, é preciso aguardá-lo, é preciso que se arrebentem, se atormentem, se matem dedicando-se aos negócios dele; e já que só se aprazem com o prazer dele, que sacrifiquem o seu gosto pelo dele, forcem seu temperamento e o dispam de seu natural. É preciso que estejam incessantemente atentos às palavras dele, à voz dele, aos olhares dele, aos mínimos gestos dele: que seus olhos, seus pés, suas mãos estejam incessantemente ocupados seguindo ou imitando todos os seus movimentos, espiando e adivinhando suas vontades e descobrindo seus mais secretos pensamentos. Isso é viver feliz? Isso é mesmo viver? Há no mundo algo mais insuportável que essa condição, não digo para todo homem bem nascido, mas apenas para aquele que tem grande bom senso ou mesmo figura de homem? Que condição é mais miserável que a de viver assim, nada tendo de seu e recebendo de um outro sua satisfação, sua liberdade, seu corpo e sua vida!!

TEXTO 5
Certamente, o tirano nunca ama nem é amado. A amizade é um nome sagrado, uma coisa santa: só pode existir entre pessoas de bem, nasce da mútua estima e se mantém não tanto através de benefícios como através da boa vida e costumes. O que torna um amigo seguro do outro é o conhecimento de sua integridade. Como garantias, tem seu bom natural, sua fé, sua constância; não pode haver  amizade onde se encontram a crueldade, a injustiça. Entre os maus quando se juntam, há uma conspiração, não uma sociedade. Eles não se entre apoiam mas se entretelem. Não são amigos, mas cúmplices.

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Leitura complementar.
Arendt, Hannah.  As Origens do Totalitarismo.

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