- Elaborar um resumo com as principais ideias contidas no texto;
- Complementar com uma crítica acerca do mesmo texto;
- Fazer um questionário com 10 perguntas e as respectivas respostas sobre o tema proposto na atividade.
MAGIA, CIÊNCIA E RELIGIÃO
INTRODUÇÃO
As palavras “magia”, “religião” e “ciência”, quando pensadas
isoladamente, parecem fazer sentido para qualquer pessoa. É difícil pensar que
alguém possa desconhecer o significado de tais palavras. Quando as mencionamos
em conjunto, a situação começa a se complicar um pouco, pois logo surgem
questões como: “O que essas coisas têm em comum?” É claro que pode surgir um
raciocínio que opere por oposição e imediatamente tente agrupar “magia” e
“religião” em contraposição a “ciência”, estabelecendo as duas primeiras como
pertencentes ao terreno do transcendental e a terceira ao campo dos
acontecimentos empíricos, ou seja, factíveis de experimentação.
Mesmo assim, continuamos sem saber o que diferencia “magia”
de “religião”, o que significa que não estabelecemos ainda uma diferenciação
entre os pensamentos “mágico” e “religioso”. Seja como for, ainda estamos nas
margens de um tema bastante complexo que ocupa uma parte significativa dos
trabalhos antropológicos há mais de um século. Vamos aprofundar esta discussão
e entender melhor os conceitos de “magia”, “ciência” e “religião”?
O pensamento mágico e o comportamento religioso
Uma das mais importantes e influentes teorias sobre o
pensamento mágico foi formulada pelo antropólogo escocês Sir James George
Frazer (1854-1941), no livro intitulado O ramo de ouro (The Golden Bough). A
primeira edição foi publicada em 1890, então com dois volumes. Já em 1900 era
publicada a segunda edição, agora com três volumes. A terceira edição se destacou
por seu tamanho: doze volumes publicados entre 1911 e 1915 (cf. KARDNER;
PREBLE, 1964, p. 81), consagrando a obra de Frazer como parte da literatura
clássica sobre mitologia, magia e religião. Em 1912 surgiria ainda uma edição
resumida da obra e, em 1935, um décimo terceiro volume, intitulado Aftermath,
concluindo assim o grande trabalho iniciado em 1890 (cf. BONTE; IZARD, 2008).
O ramo de ouro teve grande repercussão e rapidamente
ultrapassou o âmbito propriamente antropológico, tornando-se literatura conhecida
entre pessoas leigas. Entre os antropólogos, a obra foi bem recebida,
garantindo a Frazer uma série de honrarias acadêmicas e declarações tais como
as de Bronislaw Malinowski: “talvez a maior odisseia científica do humanismo
moderno” (cf. KARDNER; PREBLE, 1964, p. 81).
Já no prefácio do livro, Frazer indicava aquilo que
intencionava realizar em seu trabalho: “O principal objetivo deste livro é
explicar a notável regra que regula a sucessão do sacerdote de Diana em Arícia”
(2003). De acordo com Pierre Bonte e Michel Izard:
“Na época da antiga Roma, em Nemi, nos Montes Albanos, se
encontrava um santuário cujo sacerdote, “o rei do bosque”, era um escravo
fugitivo que havia obtido seu ofício assassinando seu predecessor. Por que,
antes de cometer o assassinato, o escravo deveria cortar um galho da árvore
plantada no interior do santuário, à semelhança de Enéas cortando um “galho de
ouro” antes de entrar no reino dos mortos? Esta é a pergunta que inicia a
pesquisa e dá uma relativa coerência a um conjunto desconexo de estudos em que
Frazer, frequentemente como pioneiro, aborda múltiplos temas que hoje estão no
centro da reflexão antropológica: a monarquia “sagrada” e a morte ritual do
rei, o totemismo, a noção de “tabu”, o bode expiatório etc. (p. 298)”.
Frazer escreveu sua obra no período de maior efervescência
do pensamento evolucionista, e podemos perceber as influências da época sobre
suas ideias. Nesse sentido, o antropólogo concebe magia, religião e ciência
como degraus evolutivos percorridos pela humanidade na sua concepção e ação
sobre a natureza. Para ele, as religiões são entendidas como resultados de
processos sócio-históricos, e por isso sua preocupação não se dirige à
averiguação da veracidade dos sistemas de crenças, mas sim para suas implicações
e ligações com as diferentes situações sociais.
Nessa linha de raciocínio, a magia surge como o meio através
do qual o “homem primitivo” busca manipular as forças da natureza. Frazer,
então, elabora as duas leis que caracterizam o pensamento mágico em sua teoria:
1) a Lei da Similaridade; 2) a Lei do Contato ou do Contágio.
A primeira lei se baseia na ideia de que o homem reconhece a
natureza como algo uniforme e entende que isso origina uma similaridade de
causas e efeitos: semelhante atua sobre semelhante.
A Lei do Contágio, por sua vez, funda-se na perspectiva de
que as coisas que já estiveram em contato continuarão a atuar umas sobre as
outras mesmo a distância (cf. KARDNER; PREBLE; 1964, p. 92).
Desse modo, poderíamos pensar que as Leis da Similaridade e
do Contágio caracterizariam a forma de pensamento mágico e, portanto, as formas
pelas quais seriam praticados os ritos de magia.
No que diz respeito à Similaridade, podemos imaginar que,
usando determinados seres ou objetos sobre os quais tem controle, o homem
poderia agir sobre fenômenos exteriores, a princípio incontroláveis, daí a
possibilidade de uso de animais de grande prole em ritos para aumentar a
fertilidade de mulheres ou o uso de animais predadores em ritos que objetivavam
melhorar a caça.
Já a Lei do Contágio ou Contato, que preconiza a
continuidade da relação daquilo que já esteve em contato, pode ser observada no
uso de objetos pessoais para exercer algum tipo de efeito sobre seus
possuidores originais: feitiços para obter o amor de uma pessoa, para
prejudicá-la etc.
Contágio e similaridade formavam assim os princípios básicos
do que Frazer chamou de magia simpática, pois “ambos supõem que as coisas agem
umas sobre as outras a distância mediante uma ‘simpatia secreta’, transmitida
através de um meio invisível por obra de um impulso” (cf. KARDNER; PREBLE;
1964, p. 92).
Os ritos mágicos são, assim, a execução de uma série de
ações fundadas nos princípios da magia simpática, buscando, num plano
metafórico, agir sobre a natureza através da reprodução de gestos e palavras.
Se as regras forem seguidas da forma correta, se aquilo que é feito no rito for
executado de modo semelhante ao que ocorre na natureza, então, aquilo que, num
plano metafórico, é realizado ou transformado no rito será também realizado ou
transformado no universo.
Através da magia e dos ritos mágicos, magos e bruxos
buscavam controlar a natureza. Tornavam-se, assim, os senhores do universo.
Diante deles, nenhum deus ou semideus se impunha, uma vez que eram eles, os
magos, que atuavam sobre as forças naturais através de seus ritos.
Os efeitos do aperfeiçoamento e da detenção dessa arte
mágica foram apontados por Frazer na concentração de poder nas mãos de poucos
indivíduos. Tratava-se, segundo o antropólogo escocês, dos estágios primordiais
do que viriam a ser os sistemas monárquicos.
Ao contrário da magia, a religião era apontada por Frazer
como o reconhecimento do homem de sua incapacidade de atuação sobre as forças
naturais. Se o controle do universo não pertencia à ordem imanente, isto é, à
dimensão empírica da realidade, logo, ele deveria estar no plano transcendente,
ou seja, entre seres espirituais. Seres superiores aos humanos entravam em
cena, sendo eles os detentores da capacidade de dirigir os rumos da existência
humana e dos fenômenos naturais. O homem não mais podia atuar diretamente sobre
a natureza, mas podia conquistar seus desejos atuando sobre os deuses,
implorando ou mesmo intimidando-os a fim de que estes alterassem o curso dos
acontecimentos em virtude dos desejos terrenos (cf. idem, p. 93).
“O estudo das sociedades primitivas ensinou-lhe que, em
muitos casos, o rei era morto pelo povo ou dava cabo da própria vida, segundo
um costume estabelecido, o que geralmente acontecia quando principiava a
envelhecer e a perder as forças. Sintoma comum de decadência consistia no
decréscimo da potência sexual. Se, como cuidava Frazer, a prosperidade dos
membros de uma sociedade era vista por eles como que ligada ‘por simpatia’ à
força e, particularmente, à virilidade do rei, o enfraquecimento interessaria a
todos. Adoecendo, o gado deixaria de reproduzir-se, as colheitas minguariam e
os homens pereceriam de fome e doença. Morto o rei na véspera do dia em que
principiasse a decair, poderia liberar-se- lhe a alma na época da sua maior
força e passar, por descendência ou transmissão, a um sucessor. Era esta,
pensou Frazer, a idéia que se ocultava no plano sacerdotal em Nemi (idem, p.
95)”.
Os sistemas de crenças mágicas e religiosas tornaram-se,
então, um dos principais tópicos de interesse de sociólogos e antropólogos na
virada do século XIX para o século XX. Em 1912, a publicação do livro As formas
elementares da vida religiosa garantiria a Émile Durkheim um lugar de destaque
nas referências de estudos sobre magia e religião.
Durkheim tomava as religiões como objetos de análise,
entendendo-as como coisas pertencentes a um mesmo gênero e, consequentemente,
compartilhando uma mesma essência:
“Na base de todos os sistemas de crenças e de todos os
cultos, deve necessariamente haver um certo número de representações
fundamentais e de atitudes rituais que, apesar da diversidade de formas que
tanto umas como outras puderam revestir, têm sempre a mesma significação
objetiva e desempenham por toda parte as mesmas funções (2000, p. X)”.
As religiões dos povos então pensados como primitivos
surgiam para Durkheim como objeto privilegiado de observação, pois apresentavam
o que para ele era um maior grau de simplicidade e não sofriam a interferência
de outros sistemas religiosos.
Percebendo as religiões como especulações sobre o divino,
Durkheim aponta para os sistemas de crenças e ações religiosas como a base da
cosmologia de uma sociedade. Estudar uma religião é, em última instância,
pesquisar sobre as representações sociais de um povo e suas categorias de
classificação do mundo.
Como argumento central do livro, temos a ideia de que a
religião é um fenômeno de origem social, em que cada manifestação de
religiosidade nada mais é do que a expressão das representações de um dado
povo. Em poucas palavras, podemos dizer que a religião é fruto e espelho da
sociedade na qual se manifesta.
Festas, ritos e cultos constituem partes de um sistema
religioso, mas não sua totalidade. Porque esta, mais que um sistema de
práticas, é também um sistema de ideias que expressam as concepções sociais do
mundo (cf. DURKHEIM, 2000, p. 474).
Os cultos, nessa perspectiva, surgiam como os responsáveis
pela criação e recriação da fé. Através deles a sociedade faz sentir sua
influência, pois é neles que os indivíduos se agrupam e agem em comum.
E o que significam os cultos e as manifestações religiosas?
Segundo Durkheim, significam o espelho da própria sociedade, ou seja, os
valores e as representações de uma determinada coletividade. Nesse sentido, a
religião é a sociedade simbolizada e “elevada a uma inatacável autoridade
moral. A sociedade, como expressão dos sentimentos coletivos de um povo, é,
acima de tudo, uma realidade moral, a representação concreta dessa realidade”
(KARDNER; PREBLE,1964, p. 125).
A religião, nessa ótica, atuaria de modo a promover e
incentivar, mesmo que de modo inconsciente, um comportamento humano desejável
para a manutenção da sociedade. Cooperação, busca de bens comuns, sacrifícios e
ações dirigidas de modo altruísta encontrariam o incentivo necessário em uma
força que transcende o indivíduo.
O pensamento científico
Vimos que, para Frazer, a magia representava um meio através
do qual o “homem primitivo” agia sobre a natureza de acordo com suas vontades e
necessidades. Era o modo pelo qual o homem ordenava o universo. No pensamento
evolucionista do autor, a magia tendia, num período mais avançado do processo
evolutivo, a ser substituída pela religião, quando os homens teriam a
consciência da ineficiência de seus atos mágicos sobre o universo e, então, reconheceriam
a existência de seres superiores no controle do cosmos.
A religião, por sua vez, tenderia a ser paulatinamente
substituída pela ciência, na medida em que esta seria a maneira por excelência
de intervenção do homem sobre o universo. Provando a eficiência do método
científico, o homem acabaria substituindo os pensamentos mágico e religioso
pela lógica e pela razão trazidas pela ciência.
Nesse sentido, percebe-se que Frazer associa magia, religião
e ciência com métodos desenvolvidos pelo homem para atuar sobre a natureza. A
cada etapa evolutiva equivaleria uma forma de expressão, sendo a magia
percebida como o polo mais “primitivo” e a ciência, como o mais “civilizado”.
Durkheim segue a mesma linha de raciocínio e escreve o
seguinte a respeito de religião e ciência:
“(...) contrariamente às aparências, constatamos que as
realidades às quais se aplica então a especulação religiosa são as mesmas que
servirão mais tarde de objeto à reflexão dos cientistas: a natureza, o homem, a
sociedade. (...) Essas realidades, a religião se esforça por traduzi-las numa
linguagem inteligível que não difere em natureza daquela que a ciência emprega;
de parte a parte, trata-se de vincular as coisas umas às outras, de estabelecer
entre elas relações internas, de classificá-las, de sistematizá-las (2000, p.
475).”
Posteriormente, no entanto, as semelhanças entre religião e
ciência foram contestadas. John Beattie, um antropólogo de meados do século XX,
entendia a religião como algo que denotava um comportamento expressivo e dramático,
estando mais próxima do terreno das artes que da ciência. Para Beattie, a
religião tinha relação com simbolismo e não com procedimentos práticos (cf.
RAPPORT; OVERING, 2005, p. 325).
A proximidade entre as formas de pensamento religioso e
científico, no entanto, continuava a ser defendida. Robin Horton apresentava a
ideia de que a religião fora substituída por um outro tipo de conhecimento.
Nesse sentido, o Gênesis do pensamento judaico-cristão foi substituído pelo Big
Bang, e um Deus desencarnado deu lugar a uma razão e racionalidade científicas.
Isso, todavia, não significa que religião e ciência sejam conhecimentos
idênticos, pois, tal como reconhece o autor, o pensamento científico é algo
“aberto” se comparado ao tipo “fechado” que caracteriza o pensamento religioso
(cf. RAPPORT; OVERING, 2005, p. 325).
O físico americano Thomas Samuel Kuhn (1922-1996) escreveu
em 1970 aquilo que veio a se tornar um clássico entre os estudos sobre a
ciência: A estrutura das revoluções científicas. Nesse trabalho, Kuhn questiona
aquilo que Horton chamava de “abertura” do pensamento científico e mostra como
as pesquisas e teorias representam verdadeiros paradigmas que envolvem os
interesses dos cientistas.
Na teoria de Kuhn, as revoluções científicas são as rupturas
de paradigmas. Um paradigma molda a ação, o interesse e as possibilidades do
pensamento científico de uma época. O constante surgimento de questões não
solucionáveis por um paradigma leva à sua queda e à consequente substituição
por um novo paradigma.
Desse modo, o trabalho de Kuhn destaca as dificuldades de
superação dos paradigmas científicos e, por conseguinte, as limitações daquilo
que antes se pensava como uma modalidade de pensamento “aberta”, daí a ideia de
pensar os paradigmas científicos como verdadeiros dogmas de um tempo.
Assim, chegamos hoje a ter uma Sociologia da Ciência, na
qual esta é percebida como um campo social tal como tantos outros, inclusive a
religião. E os resultados dos conhecimentos científicos começam a ser
observados por essa ótica.
Nas palavras de Nigel Rapport e Joanna Overing (2005, p.
330), encontramos aquilo que, de certo modo, resume uma possibilidade de
análise sociológica do campo científico: “Fatos podem ser vistos como
conseqüências do trabalho científico tanto quanto sua causa, e a ‘realidade’
como o resultado de uma disputa científica.”
CONCLUSÃO
Magia, religião e ciência, enquanto temas de reflexão,
ocupam os trabalhos de sociólogos e antropólogos desde a origem de suas
disciplinas. Inicialmente pensadas como etapas evolutivas de um processo de
aperfeiçoamento social, tais atividades foram comparadas, aproximadas e
afastadas por diferentes pesquisadores.
O pensamento atual sobre tais temas os coloca não mais como
etapas evolutivas, mas sim como atividades da vida social – tal como a
política, a economia, a educação etc. –, sendo, portanto, todas elas passíveis
de serem pensadas do ponto de vista sociológico, na medida em que existem de
modo semelhante aos outros campos sociais.
Desse modo, quando pensamos sobre magia, religião e ciência,
atualmente nos referimos a temas distintos, mas todos eles como formas de
expressão simbólica, apresentando maneiras de atuação e representação sobre o
mundo, gerando coerções sobre seus membros, desempenhando seus próprios rituais
e, enfim, denotando uma forma específica de interação social.
Copyright © 2008 Fundação CECIERJ. Todo o material deste site pode ser utilizado desde que citados a fonte e o autor.
ResponderExcluir